sábado, 24 de setembro de 2011

A desgraça de ficar desempregado

Tava aqui arrumando uma gaveta hoje e achei uma redação que eu escrevi pra um processo seletivo de uma empresa no ano passado, quando fiquei desempregada. Ainda esses dias tava contando não lembro pra quem (pro Daniel, acho) sobre esse dia, o porre que foi (o do processo, não o da saída da empresa). Na verdade, a saída da empresa é óbvio que também foi um porre. Ninguém quer - e muito menos gosta - de ficar desempregado, mas eu tenho uma tendência a tirar coisas positivas de tudo. Sei lá se isso é bom ou ruim. Claro que, na hora em que as coisas acontecem, eu fico nervosa, brava, amedrontada, como todo mundo, afinal de contas sou humana (acho). Mas um tempo depois, quando isso passa, tendo a analisar friamente os acontecimentos e caçar, nem que seja à unha, uma experiência positiva. Não viajo, tipo Poliana, mas acho que essa parada aí me ajuda pra caramba a seguir em frente e a (tentar) não cometer os mesmos erros numa próxima vez. Foi a primeira vez que fui "dispensada" de um emprego. E não, não guardo ressentimento, não tenho raiva, não quero vingança. Muito pelo contrário!! E, principalmente agora, que já faz tempo que aconteceu e tá tudo bem e as coisas deram certo, acho até legal ter passado por isso e poder compartilhar mais essa com as pessoas. Acho que a vida seria extremamente chata se a gente passasse flawless pelas coisas. O que acaba valendo no final são as coisas que a gente viveu, boas e ruins.

Enfim, vou só contar aqui mais ou menos o que aconteceu no dia do processo, pra ambientar, e depois reproduzo a tal redação. 

A moça da empresa de RH me ligou naquela semana dizendo que estava com meu currículo em mãos e perguntando se eu poderia comparecer lá no dia X, às 7h30 pra uma entrevista. Claro que posso! Quem não poderia?

Cheguei lá uns 15 minutos antes e já tinha uma fila considerável na porta. Fiquei até chegar a minha vez e a mocinha da recepção me encaminhou para uma outra sala com mais 40 negos pra eu sentar e preencher outras três fichas que seriam cópias fiéis do meu currículo - que ela já tinha em mãos -, mais umas perguntas lá sobre a minha personalidade e uns testes psicológicos - essas coisas de RH que ninguém entende, só eles.

Depois de preencher tudo e ficar mais uma meia hora lá esperando, a moça me vem com uma apostila com umas 150 perguntas pra eu responder em inglês e um discman com os textos referentes às tais perguntas. Sei lá, uma hora e meia depois acho que eu já tinha terminado. Não que eu tenha tido dificuldade quanto a isso, mas, porra, 150 perguntas, metade dissertativas, é foda, vamo falar a verdade. 

Devolvi tudo e ela me entrega uma folha em branco pra eu fazer uma redação em inglês, tema livre. Fiz a bendita e fui lá entregar, crente que já ia embora. Era perto da hora do almoço já (e mesmo que não fosse, eu tinha tomado café da manhã às 6 da matina, caceta). Ela então me encaminha para uma outra salinha, com um computador, para um teste de Excel. Nessa hora eu já tava até atordoada. Porra, parecia que a vaga era pra assessor, sei lá, do "presidente do mundo", com salário de 500 mil reais por mês e não para analista de logística aqui do lado, no ABC. Ah, detalhe, até aí eu só sabia a vaga e o nome da empresa. Todo o resto me seria dito na entrevista que eu faria na própria empresa se eu passasse nesse martírio processo.

Fiz o teste igual meu nariz. Até saberia ter executado melhor as coisas mais difíceis, mas já tava com dificuldade de me concentrar e não tinha mais forças pra ficar caçando fórmulas das coisas que eu não lembrava na ajuda do Excel.

Dei por encerrado e fui lá avisar a moça. Ela me senta lá na cadeirinha na baia dela e ainda me pergunta várias outras coisas. Respondi numa boa e ela me dispensou dizendo que me ligaria pra dar o resultado, fosse bom ou ruim.

Putz, tava livre pra sair, ver a luz do dia, ver gente, ir no banheiro, pensar em qualquer outra coisa e almoçar. Aliás, era só nisso que eu vinha pensando na última hora: comida! Como tava perto do centro de Sto André, subi pra R. Oliveira Lima pra achar um lugar pra comer e, de quebra, comprar um joguinho pro meu videogame, afinal de contas teria a tarde e não sei mais quantos outros dias inteiros pra ficar jogando.

Achei um restaurante mais ou menos lá, pedi um lanche e uma coca e sentei. Botei a bunda na cadeira, o celular tocou. Era a moça lá do RH. "Puta que pariu, mas já me avaliou?" Não. Ela esqueceu de me dizer que eu ainda tinha que fazer uma redação em português. Quase uma da tarde e eu tinha que voltar lá. Ela pediu milhares de desculpas, disse que eu poderia almoçar tranquila e voltar mais tarde. Eu assim eu fiz. E isso eu escrevi:


"A desgraça de ficar desempregado

Aí que um dia você chega no serviço feliz e contente, pensando no que vai começar a trabalhar primeiro, quando seu colega chega com um papelzinho na mão: 'Tenho uma péssima notícia'. Um filme passa pela sua cabeça. 'Acabei de casar', 'Como vou viver sem o meu salário', 'Como vou pagar as contas daqui pra frente', 'O que eu faço agora? Nunca fui mandada embora antes!'.

A primeira reação é de raiva. 'Como podem fazer isso comigo?'. Depois, a aceitação, seguida do olhar condescendente dos colegas.

Você junta as suas coisas, se despede de todos e vai embora no meio da manhã. Como a rua é estranha no meio da manhã. Afinal de contas, você entra às 8 horas, sai meio dia pra almoçar, volta à uma da tarde e depois só sai às seis de novo. Nunca saiu às dez. Muito menos pra ir pra casa.

A casa, então, é esquisitérrima no meio da manhã. Barulhos estranhos, vizinhos falando. Você nunca ouviu os vizinhos falando no meio do dia.

'O que eu faço agora? Troco de roupa? Coloco um pijama?'. Melhor: vá pro computador, atualize o currículo e comece a disparar. Essa é a sua primeira atitude.

Pode não parecer, mas procurar emprego, mesmo que pela internet, é muito estressante. Você entra em milhares de sites, preenche milhões de formulários com as mesmas informações, responde a centenas de perguntas.

Os processos seletivos são os que despertam os melhores e os piores sentimentos. Melhores pois trazem esperança: 'Puxa, uma empresa gostou de mim!'. Você marca a entrevista e vai até lá, cheio de expectativas. Após 4 horas, depois de preencher formulários, responder testes, fazer uma, duas redações, você está com fome, cansado, quer ir ao banheiro e descobre que ainda há mais um formulário a ser preenchido, mais uma redação a ser feita.

E você faz. E você vai embora cheio de esperanças, sabendo que, se precisar, você fará tudo de novo, pois você é capaz. Você estudou, você se esforçou, você trabalhou duro para chegar onde está e é mais do que justo que seja recompensado por isso. E por isso você não desiste. Porque você gosta do que faz, gosta do que estudou, gosta do que aprendeu e sabe que ainda há muito mais para aprender. Sabe, também, que, em algum lugar existe a vaga perfeita, apenas esperando que você apareça e preencha apenas mais alguns formulários e fichas. Você não desiste, pois sabe que pode estar a apenas uma redação de conseguir o emprego que mudará sua vida."

Viram que eu dei uma amenizada no final, né? rs


A propósito, eu passei no processo e me chamaram pra tal entrevista, mas eu não fui porque já estava trabalhando em outro lugar. 

Pelo jeito tem gente mais doida que eu por aí avaliando e aprovando redações-desabafo. Vai entender...

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Jeremy spoke in class today

"Aluno de 10 anos atira na professora e se mata em seguida"

Assim que eu vi essa notícia, imediatamente lembrei de Jeremy, do Pearl Jam. Sempre achei essa música meio sombria, apesar do som agitado e dos ótimos, diga-se de passagem, riffs de guitarra e baixo.

Não sei os outros, mas eu tenho uma certa tendência a avaliar as letras das músicas. Fico tentando imaginar de onde o artista tirou a inspiração pra escrever aquilo e o que será que deve ter passado pela cabeça dele pra realizar aquela composição. Gosto de interpretar, algumas me emocionam, outras me deixam com raiva, outras me deixam revoltada... legal isso.

Meu caso com Jeremy foi exatamente assim, exceto pela diferença de que eu já sabia sobre o que se tratava. O que sempre me deixou perplexa nesse caso foi ficar imaginando o que é que deve se passar na cabeça de um adolescente pra levá-lo ao ponto de se matar, especialmente na frente de todos os colegas de classe.

Ok, tratando-se do Jeremy deles, já é sabido que ele era meio quieto, deslocado, provavelmente sofria bullying (vamo aproveitar que tá na moda o termo, né, minha gente) e era negligenciado pelos pais e fez isso como uma forma de se vingar de todos que o maltratavam ou sequer ligavam pra sua existência. Não vejo como isso possa ser considerado uma forma de vingança (se bem que, para os referidos colegas de classe, viver com uma imagem dessas na cabeça realmente deve ser um martírio). Acho que aí devo concordar com o próprio Eddie Vedder, que deu uma entrevista na época, dizendo que a verdadeira vingança do menino seria ele ter seguido em frente e se tornado uma pessoa de sucesso. Realmente esfregar seu sucesso na cara dos outros é uma delícia, mas talvez melhor ainda fosse viver sabendo que você proporcionou uma imagem que ficará assombrando e atormentando a memória de todos que te zuaram por toda a eternidade. Uma pena que ele não viveu pra saber disso.

Do nosso Jeremy ainda não se é sabido muita coisa, apenas que ele pegou a arma do pai, que é da Guarda Municipal, levou pra escola e, no meio da tarde,  atirou contra a professora e depois se matou com um (dois?) tiro(s) na cabeça. Achei muito creepy isso. Não o fato de ele ter se matado ali no meio de todo mundo (que, obviamente, já é totalmente creepy por si só), mas a premeditação é que me gela a espinha. Os momentos entre o "vou fazer" e o "a hora é agora", manja? Fico pensando no grau de perturbação mental dessa criança (sim, uma criança) pra levá-lo ao ponto extremo de arquitetar - e executar - um plano desses. E não digo perturbação mental no modo pejorativo. O que quero dizer é a agonia, o desespero, a intensidade de sentimentos. E a coragem. Porque, sim, é preciso muita coragem pra tomar uma decisão desse tipo, tanto de atirar no outro quanto a atirar em si mesmo. Digo até que talvez seja preciso crescer a terceira bola do saco pro cara conseguir fazer uma coisa dessas. E esse menininho mal saco tem (tinha). O desespero é tamanho e a avalanche de sentimentos é tão, putz, overwhelming, devastadora, que o cara não deve pensar nem por um segundo nas consequências e nas mudanças que causará na vida, não só de seus familiares, mas dos familiares dos outros envolvidos, dos que estavam lá na hora, dos que o conheciam de vista. King Jeremy, the wicked, ruled his world. 

Ontem eu tava comentando isso com a minha mãe e lembrando de quando eu tinha 10 / 11 anos. Eu brincava de boneca (pouco, mas ainda brincava), eu era pirada no New Kids on The Block, colecionava figurinhas do Campeonato Brasileiro, colecionava fotos de atores / cantores que eu achava bonitos, curtia lá meus discos de rock, gravava meus clipes da MTV e do Clip Trip pra ficar assistindo em loops infinitos. Sei lá, cara. Nunca sequer me passou pela cabeça fazer uma coisa dessas com quem quer que fosse, muito menos comigo mesma. Eu me cago de medo de morrer. Morro de medo de, sei lá, quando a gente morrer tudo acabar e a gente sumir e nada que vivemos ter tido um propósito. Morro de medo de morrer e depois acordar em algum outro lugar com aquela saudade avassaladora de todos que eu amo. Sem contar que eu também morro de medo de sentir dor. Nem na faculdade, quando precisava fazer aqueles furinhos no canto do próprio dedo pra fazer exame de sangue eu tinha coragem. Imagina dar um tiro em mim mesma. Jamais.

A imprensa agora vai falar disso até esgotar tudo o que possa ser passível de comentário. Já começou ontem, com brados aos sete ventos de que é preciso melhorar a segurança nas escolas, é preciso colocar detector de metais, é preciso revistar mochilas, é preciso isso, é preciso aquilo... Realmente a educação está doente. Não só o setor educação - esse sim se resolve com segurança e detector de metais - mas aquela educação de pai e mãe, que a gente traz de casa, sabe? Os valores morais estão doentes. As pessoas estão psicologicamente doentes e esquecidas e ninguém percebe isso. E o mais assustador é que o nosso Jeremy está aí pra provar que a doença já está começando a assolar as crianças também. Não é normal uma criança levar uma arma pra escola. Mas menos normal ainda é passar pela cabeça de uma criança dar um tiro na professora e depois se matar. Isso deve ser tratado. Sem isso, pode-se ter 1, 3, 20 armas em casa e nada acontecerá. Facas são armas, cadeiras são armas, vasos são armas, garfos são armas, mãos são armas - nossas casas estão cheias de armas - e nem por isso todos nós saímos nos matando a torto e a direito. Não há como pensar num mundo melhor, numa sociedade melhor, sem antes curar as pessoas. Infelizmente. E o pior de tudo isso é que, como na música de Jack Johnson, we all got the blood on our hands, todos temos sangue nas mãos, e só cabe a nós mudar a situação, ao invés de continuar passando a responsabilidade de um para o outro.